O ponto de partida será a teoria da relatividade restrita, publicada por Einstein no annus mirabilis de 1905 num artigo intitulado ``Sobre a Electrodinâmica dos Corpos em Movimento". Esta teoria baseia-se em dois postulados fundamentais. (1) As leis da física tomam a mesma forma para todos os observadores que se movem uns em relação aos outros com velocidade constante e segundo uma linha recta (movimento uniforme). (2) Todos os observadores medem o mesmo valor para a velocidade da luz quer esta tenha sido emitida por um corpo em repouso ou por um corpo em movimento uniforme. Notemos os seguintes pontos. Estes postulados não dizem nada sobre quais são as leis da natureza. Referem-se exclusivamente a movimentos (uniformes) mas aplicam-se a todas as leis físicas. Têm portanto uma natureza cinemática e não dinâmica. Os observadores definidos no primeiro postulado designam-se observadores inerciais. Concluimos que as leis físicas são as mesmas para todos os observadores inerciais. Dito de outro modo, os observadores inerciais são totalmente equivalentes do ponto de vista das leis físicas. Este primeiro postulado é conhecido por Princípio da Relatividade de Einstein.
Quando no segundo postulado falamos em velocidade da luz
referimo-nos obviamente à velocidade da luz no vácuo que
é aproximadamente km/s. Para
compreendermos o comportamento dos sinais luminosos,
imaginemos dois observadores, A e B,
separados por uma grande distância. A e B decidem medir a
velocidade da luz a partir do intervalo de tempo que medeia a
passagem de sinais luminosos trocados entre si. Suponhamos que
a distância entre eles é
km, e que os seus relógios
foram sincronizados antes da experiência. A envia então
um sinal luminoso para B, num instante previamente combinado,
e um segundo depois B observa o clarão correspondente à
chegada do sinal. Esta foi a técnica utilizada em 1675 por
O. Roemer, para medir a velocidade da luz a partir da duração
da sua viagem através do sistema solar, desde Júpiter à
Terra, a qual dura cerca de uma hora. Não dispondo de um
companheiro para lhe enviar um sinal luminoso, Roemer recorreu ao
movimento de um dos satélites de Júpiter, cujas posições
podia calcular antecipadamente. As ``luas" de Júpiter,
quando observadas da Terra, parecem chegar sempre atrasadas às
posições calculadas, devido
ao tempo que a luz demora a percorrer a distância entre
Júpiter e a Terra. A medida do atraso permite calcular um valor
razoavelmente aproximado da velocidade da luz, desde que se
conheça a distância a que Júpiter se encontra.
Imaginemos agora uma experiência um pouco mais complicada.
Os observadores A e B desejam verificar se a velocidade da luz
varia de lugar para lugar. Para isso, cada um deles mede não
só o tempo que a luz leva a percorrer a distância entre eles,
mas também o tempo que a luz leva a atravessar um tubo de um
metro, junto de cada um dos observadores. É claro que esta
última medida exige uma electrónica sofisticada, pois que
o tempo que a luz leva a atravessar um tal tubo é menor que
a centésima milionésima parte de um segundo
( ). Ao fim de algum tempo e depois de
repetirem esta experiência várias vezes, A e B concluem
que a velocidade da luz é a mesma ao longo dos seus
respectivos tubos e que este valor coincide com a velocidade
média tomada entre as suas posições.
Vamos alterar ligeiramente a experiência. Em vez de
A e de B permanecerem em repouso, B move-se agora com
velocidade constante na direcção de A. À medida que
B se aproxima de A, B espera que os sinais luminosos,
enviados por A, atravessem o seu tubo a uma velocidade
superior à da experiência anterior, quando a velocidade
entre eles era nula. Não é isso que acontece no nosso
quotidiano? Se um observador parado na plataforma duma
estação de caminho de ferro vê passar
um comboio a , e no comboio há um passageiro a
deslocar-se a uma velocidade de
em relação ao
comboio, então a velocidade relativa entre o passageiro e o
observador da plataforma é
ou
consoante
o passageiro se afasta ou se aproxima da estação. Não devia
acontecer o mesmo com a luz? Porém, para grande surpresa dos
observadores A e B, a velocidade da luz permanece inalterada
ao atravessar os respectivos tubos. E além disso, a velocidade
medida a partir dos intervalos de tempo que a luz leva a
percorrer a distância entre A e B continua a ser a mesma.
Consternado com este resultado, B supõe que a sua velocidade
em relação a A é ainda muito pequena e recorre
a um foguetão para aumentá-la. B aproxima-se de A cada
vez mais depressa, na esperança de receber mais rapidamente
os sinais luminosos enviados por A, mas é em vão, a
velocidade medida localmente continua a ser a mesma. Ao
fim de algum tempo, B atinge uma velocidade em relação a
A igual a
da velocidade da luz e nota que os sinais luminosos
chegam agora muito azulados. Trata-se de um fenómeno familiar,
B sabe que a luz azul significa luz de alta frequência e
recorda-se que as ondas sonoras também se deslocam para as
altas frequências quando a fonte e o observador se aproximam um
do outro. O efeito designa-se por deslocamento de Döppler e
observa-se, por exemplo, quando dois carros se cruzam:
a buzina torna-se mais aguda se os carros se aproximam e mais
grave se eles se afastam. Voltando à nossa experiência,
apesar do deslocamento de Döppler, B não observa nenhuma
variação na velocidade da luz, isto é, B continua a
medir a mesma velocidade para os sinais enviados por A.
B decide-se então a utilizar um outro foguetão para
inverter o sentido do movimento e, assim, afastar-se de A
a toda a velocidade. Verifica agora que os sinais luminosos
enviados por A chegam bastante avermelhados, como se as ondas
luminosas tivessem sido alongadas, provocando o aumento do seu
comprimento de onda, tal como as ondas sonoras da buzina de um
carro que se afasta. Ao fim de algum tempo B afasta-se de A
a uma velocidade igual a da velocidade da luz. B
esperava que a luz enviada por A viajasse ao seu encontro a
3000 km/s (
da velocidade habitual), mas nada disso
acontece. A luz continua a chegar à mesma velocidade de
, independentemente da velocidade a que B
se desloca em relação a A.
Numa última tentativa, e já desesperado por esta
contradição entre o comportamento da luz e a experiência
quotidiana, B resolve
utilizar ainda um outro foguetão com o fim de ultrapassar a
velocidade dos sinais luminosos na esperança que, ao viajar a
uma velocidade superior à da luz relativamente a A, os sinais
luminosos enviados por A não o atinjam. Enquanto decorre esta
fase da experiência, A verifica que B está a fazer um
esforço desesperado para atingir a velocidade da luz, mas
quanto mais perto se encontra dessa velocidade, maior é a
energia que necessita para acelerar. A necessidade de
combustível cresce sem limite. Mesmo com toda a energia
disponível no mundo, B não é capaz de vencer a barreira
que o impede de atingir a velocidade da luz. Parece que à medida
que B se aproxima da velocidade da luz, maior é a sua inércia:
toda a nova energia consumida parece ser dispendida para criar
mais massa e não para aumentar a velocidade. Entretanto, os
sinais luminosos emitidos por A continuam a atravessar o tubo de
um metro, transportado por B, a uma velocidade de
km/s.
O quadro descrito na experiência anterior está em contradição com a nossa rotina diária, fundamentada na mecânica de Newton. A relatividade restrita ensina-nos a ser mais cautelosos. Sempre que os objectos se movam com velocidades próximas da velocidade da luz devemos ignorar a nossa experiência quotidiana, e levar a sério os postulados desta teoria.
Como consequência da invariância da velocidade da luz, Einstein foi levado a concluir que o espaço e o tempo variam com o estado de movimento do observador. Por exemplo, quando B se aproxima vertiginosamente de A, a distância entre A e B, medida por B, contrai-se. Além desta peculiar contracção do espaço, o movimento de B tem também um efeito muito estranho sobre o tempo. Quando B compara o seu relógio com dois relógios iguais, localizados em sítios diferentes, previamente sincronizados e em repouso em relação a A, constata que o seu relógio se atrasa em relação a estes relógios ``solidários" com A. E vice-versa, o relógio de A atrasa-se em relação a dois relógios espacialmente separados e solidários com B (previamente sincronizados). A conclusão óbvia a retirar destes factos é: a sincronização dos relógios é um conceito relativo ao observador. Não existe uma sincronização universal, simultâneamente válida para todos os observadores (inerciais). Relógios parados e sincronizados do ponto de vista de um observador A, não estão sincronizados para um observador B que se move com velocidade próxima da velocidade da luz em relação a A. Por outras palavras, se B se aproxima de A a grande velocidade e, pelo caminho, acerta o seu relógio por um relógio que está parado em relação a A, mas a uma certa distância de A, quando B se cruza com A verifica que o relógio de A está adiantado em relação ao seu relógio. Do ponto de vista de B, os dois relógios que estão em repouso relativamente a A, não foram previamente sincronizados, ainda que o tenham sido do ponto de vista de A. Esta situação traduz a impossibilidade de definir o conceito de simultaneidade de modo absoluto. Além disso, constatamos que o intervalo de tempo entre dois acontecimentos é mais curto para o observador que vê os dois acontecimentos ocorrerem no mesmo ponto do espaço. Designa-se o tempo medido por esse observador tempo próprio.
Dois acontecimentos físicos, que ocorrem em diferentes pontos do espaço (isto é, espacialmente separados) e simultâneos para um observador A, não serão simultâneos para outro observador B que se desloca a grande velocidade em relação a A. Este carácter relativo do conceito de simultaneidade é uma consequência do valor finito (constante) da velocidade da luz. Este é o conceito fundamental da teoria da relatividade restrita. Se as acções físicas pudessem propagar-se a uma velocidade infinita a simultaneidade teria um carácter absoluto: dois acontecimentos simultâneos para um dado observador, seriam simultâneos para qualquer outro observador, qualquer que fosse o seu estado de movimento.
Vejamos este aspecto com o auxílio de mais uma
experiência de pensamento, à boa maneira de Einstein.
Imaginemos desta feita uma nave espacial que se afasta da Terra
a uma velocidade igual a da velocidade da luz. No centro da
nave existe uma fonte de sinais luminosos. Para um
astronauta que se encontre no centro da nave espacial, os sinais
chegam às duas extremidades da nave simultaneamente, visto
que as ondas luminosas se propagam em todas as direcções
e sentidos com a mesma velocidade -- a velocidade da luz, c.
Contudo um observador terrestre testemunharia uma situação
bem diferente. É certo que a velocidade da luz é a mesma,
de acordo com a teoria da relatividade restrita, para o
observador terrestre e para o astronauta que se afasta da
Terra. Mas como o observador terrestre vê a nave a afastar-se
com uma velocidade igual a
da velocidade da luz, é
claro que, do ponto de vista deste observador, os sinais
luminosos não podem chegar simultaneamente às duas
extremidades da nave. O observador terrestre vê
a cauda da nave a aproximar-se rapidamente da origem do
sinal luminoso, enquanto a dianteira da nave se afasta dessa
origem. Durante o intervalo de tempo que a luz leva a
atravessar a nave, esta afasta-se da Terra
e, por isso, o sinal enviado para trás atinge a cauda
da nave antes do outro sinal atingir a extremidade dianteira.
Assim, dois acontecimentos que são simultâneos para o
astronauta ocorrerão em instantes diferentes para o
observador terrestre.
Vimos, com este último exemplo, como a simultaneidade depende do estado de movimento do observador. Não existe um acordo universal sobre o que é o ``mesmo instante" para dois acontecimentos que ocorrem em lugares diferentes, ou seja, não existe uma definição absoluta de ``instantâneo". Um sinal que viajasse ``instantaneamente" da frente para a cauda da nave espacial, do ponto de vista do astronauta, seria visto por um observador terrestre como um sinal propagando-se ``para trás" no tempo. Como o observador terrestre vê o sinal atingir a dianteira depois de atingir a cauda, o sinal aparentemente ``instantâneo" é visto da Terra como um sinal enviado do acontecimento posterior para o acontecimento anterior, destruindo assim qualquer relação causal.
São conhecidos os paradoxos que resultam de admitir que é possível enviar sinais ``para trás" no tempo. Imaginemos, por exemplo, uma máquina ligada a um computador com a seguinte instrução programada: ``Às 4 horas enviar um sinal para o passado". Este sinal pode reflectir-se num local distante e atingir de novo a máquina, digamos, às 2 horas. O programa pode conter uma instrução para a máquina se auto-destruir uma hora após a chegada do sinal. É claro, uma tal sequência de acontecimentos é totalmente inconsistente: a auto-destruição às 3 horas anticiparia a transmissão do sinal às 4 horas, impedidindo a recepção do sinal às 2 horas e, portanto, anulando o accionamento do mecanismo de auto-destruição, em contradição com a hipótese original. A inconsistência traduz-se numa quebra da relação causa-efeito. Assim, para preservar a estrutura causal dos fenómenos físicos adoptamos a regra: não é possível enviar sinais a velocidades superiores à da luz.
No que se refere ao conteúdo, a relatividade restrita baseia-se inteiramente nos dois postulados acima enunciados. Quanto à forma, é de enorme conveniência reconhecer que, neste novo quadro da relatividade restrita, os conceitos de espaço e de tempo passam a estar indissoluvelmente interligados, tal como o notou Hermann Minkowski em 1908:
``Daqui em diante o espaço só por si e o tempo só por si estão condenados a tornarem-se meras sombras, e só uma união dos dois preservará uma realidade independente".
O mundo físico da nossa experiência, é agora representado por um espaço a quatro dimensões, o espaço-tempo. Cada ponto do espaço-tempo é um acontecimento físico, representado por quatro coordenadas (t,x,y,z): t representa o instante e (x, y, z) dá-nos a localização do acontecimento. Diferentes observadores (inerciais) usam coordenadas diferentes para o mesmo acontecimento. O conjunto de todos os acontecimentos da vida de um observador (ou de uma partícula) formam uma trajectória do espaço-tempo a que se dá o nome de linha do Universo. Para os observadores inerciais as linhas do Universo são geodésicas (i.e., linhas rectas) deste espaço. Se dois observadores se cruzam e tomam esse acontecimento como a origem das respectivas coordenadas de espaço e de tempo, a invariância da velocidade da luz no vácuo exige que
onde (t,x,y,z) e (t',x',y',z') são as coordenadas dum mesmo acontecimento para cada um dos observadores.
À semelhança do que acontece com a geometria euclideana, onde a generalização do teorema de Pitágoras nos diz que
é um comprimento invariante numa rotação, também a geometria do espaço-tempo da relatividade restrita pode ser caracterizada pelo invariante fundamental,
que traduz a invariância da velocidade da luz no vácuo,
e também é habitualmente interpretado como uma ``distância"
entre dois pontos (acontecimentos) deste espaço-tempo a
quatro dimensões e, por isso, designado intervalo do Universo.
Porém, devido à existência de três sinais
positivos e um negativo (na linguagem matemática diz-se que se trata
de uma forma quadrática indefinida) esta distância
nem sempre é positiva como na geometria euclideana.
Dados dois acontecimentos cuja separação
espacial é e
cuja separação temporal é t, três situações
diferentes podem ocorrer
É fácil verificar que a transformação de coordenadas que satisfaz a invariância do intervalo do Universo é a conhecida transformação de Lorentz (ver o artigo de E. Lage na Colóquio/Ciências), donde se deduz a fórmula da adição de velocidades que está de acordo com as experiências de pensamento descritas atrás,
Se, por exemplo, é a velocidade do passageiro em
relação ao comboio, e
é
a velocidade do comboio em relação à estação,
então o valor de u é
uma décima milésima da bilionésima parte de
menor
que
.
E se u'=c vem u=c, qualquer que seja o valor de
,
em acordo com o postulado de Einstein:
a velocidade da luz (no vácuo) é a mesma
para todos os observadores. A luz de uma estrela que se aproxima do
Terra viaja com velocidade c, tal como a luz de uma estrela
que se afasta. Usando estrelas duplas os astrónomos verificaram
este facto com grande precisão.